Esporte mostrou que tenho asas para voar sobre rodas, diz Auricélia Nunes
A atleta da Seleção Brasileira de Badminton, Auricélia Nunes, contou sobre sua trajetória de vida até conquistar mais de 200 medalhas e o top 10 no ranking mundial da modalidade.
O encontro com o esporte pode proporcionar experiências únicas capazes de gerar transformações e novas oportunidades de enxergar a vida. A história da paratleta da Seleção Brasileira, Auricélia Nunes, demonstra que com garra é possível ultrapassar as fronteiras do preconceito e concretizar seus sonhos. A piauiense relatou em entrevista ao Viagora, sua trajetória conhecendo o mundo sobre uma cadeira de rodas e contou que almeja competir nas Paralimpíadas em 2024 na França.
A vida de Auricélia na cidade de Teresina era bem diferentes antes de conhecer o esporte. A atleta precisou se adaptar à cadeira de rodas após uma cirurgia de correção da tíbia, maior e mais interno dos dois ossos da perna. Depois do procedimento, Auricélia não conseguiu mais andar, a nova realidade trouxe desafios e uma fase de profunda depressão.
“Eu nunca pensei que seria cadeirante. Antes minha rotina era do serviço para casa, cuidando de casa, filhas e marido. Na época eu não aceitei e entrei em depressão. Eu já tinha uma dificuldade por conta da poliomielite, mas, mesmo assim, eu era totalmente independente e depois da cirurgia minha vida mudou completamente”, afirma a atleta.
Diante do abalo emocional e a rejeição da sua condição física, Auricélia passou a receber tratamento médico em casa. Por dois anos esta foi a forma que a atleta encarou as drásticas mudanças em sua vida. Logo depois foi orientada a dar continuidade aos tratamentos em um CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) da cidade.
“Contar para a família foi difícil, meu marido me deixou com duas filhas menores para criar. Eu passei dois anos sem sair de casa, em um quarto escuro e tomando remédio controlado direto. Antigamente eu tinha vontade de morrer. As pessoas me verem em uma cadeira de rodas, para mim, era um absurdo”, relata.
Para Auricélia, enfrentar o olhar da sociedade e o preconceito cara a cara não foi uma tarefa fácil. Foi durante um dos seus trajetos dentro do transporte eficiente, utilizado para a locomoção de pessoas com deficiência, que Auricélia conheceu a paratleta de Badminton Laísa, mudando completamente seus caminhos.
“Tive o prazer de conhecê-la dentro do transporte, nós ficamos amigas e ela me mostrava as viagens que fazia, como eram os jogos. Eu até sorria e brincava falando para ela que na época que caminhava eu não era atleta e agora em uma cadeira de rodas eu conseguiria. Mas minha família me incentivava a conhecer o esporte e por curiosidade eu fui”, complementa.
Auricélia conta que o badminton lhe trouxe o recomeço de um ciclo e a partir da modalidade a atleta descobriu habilidades antes inexploradas. Após dois meses de treinamento, seu técnico na época Tamyack Macêdo, lhe convidou para participar da primeira competição disputando o Campeonato Brasileiro de Parabadminton, inicialmente para ganhar experiência e desde então tem conquistado medalhas Piauí afora.
“No campeonato brasileiro, vendo aquela quantidade de cadeirantes, amigos jogando, eu pensei: É isso que eu quero para minha vida, então comecei e nunca mais parei. No início era só ‘taca’, apanhava demais, mas com muito trabalho e dedicação vieram as vitórias e medalhas”, descreve a atleta.
Desafios
No Piauí, a falta de investimento em parcerias para custear as viagens internacionais com destino às competições fez com que Auricélia encontrasse sua devida valorização somente em outro Estado. Em 2021, a esportista foi convidada para treinar e competir no Pará, mas representando o Piauí.
“Sou de Teresina e comecei minha carreira toda em Teresina. A Semel me ajudava em todas as minhas viagens internacionais porém, com a nova gestão eu não tive mais apoio. Sem sucesso em Teresina, fui convidada pelo secretário de esportes do Pará para treinar e jogar pelo Pará. Eu disse que precisava de um técnico, um local para treinar e ajuda nas viagens. O secretário abriu portas no Pará para mim e eu passei o ano de 2021 todo lá, mas representando o Piauí porque o Pará não tem uma federação”, disse Auricélia.
Com mais de 200 medalhas conquistadas nacional e internacionalmente, a atleta ocupa a sétima posição no ranking mundial na modalidade simples e a quinta na modalidade de dupla feminina, de acordo com a Federação Mundial de Badminton (BWF). Com a boa colocação no Top 10, a atleta explica que já estaria classificada para as Paralimpíadas, mas para isso é preciso manter o foco e a dedicação nos treinos.
Auricélia ainda afirma que foi convidada junto a sua dupla feminina para treinar em Sergipe representando o Estado, onde tem residido desde então para se preparar objetivando a grandiosa competição. “Hoje estou jogando em Sergipe e representando o Estado porque não tive oportunidade em Teresina, mesmo com meu currículo, o Piauí não me valorizou”, afirma.
Preconceito
Para conquistar o espaço de referência e inspiração que ocupa, a atleta afirma que batalhou e enfrentou muitos percalços durante o caminho em uma sociedade machista e capacitista. “Só em você ser mulher, você já é mal vista. E quando você é mulher, cadeirante, mãe, aí é que o negócio piora mesmo. O preconceito é muito grande porque as pessoas não te enxergam como ser humano. Te enxerga como um insignificante que não tem nenhum valor, como um coitadinho”, desabafa a paratleta.
Em fevereiro deste ano, Auricélia utilizou suas redes sociais para denunciar um episódio de capacitismo, preconceito praticado contra pessoas com deficiência, quando embarcava em um voo. O comissário de bordo barrou sua entrada na aeronave devido a falta de acompanhante para auxiliá-la no deslocamento até o banheiro, apesar da atleta explicar sua situação e afirmar que viaja constantemente.
“Eu estava nervosa. Eram três horas da madrugada, uma viagem importante para chegar na corrida das paralimpíadas, isso é um absurdo! Quem diz se eu posso fazer ou não minhas necessidades fisiológicas sozinha, sou eu que conheço meu corpo”, pontua.
Realizações
Das maiores realizações adquiridas por meio do esporte, Auricélia cita com muita satisfação um pilar que transformou sua vida: a autoestima, melhor condição financeira e um novo amor.
“A minha maior realização é ter condições financeiras de dar uma vida digna à minha família, às minhas filhas. Para uma mãe não tem nada mais gratificante do que ver um filho bem, fruto do meu esforço e da minha dedicação. No esporte eu também conheci o meu atual esposo, ele também é cadeirante. Ele faz de tudo para me agradar e tem todas as qualidades que um ser humano tem. Encontrei nele um amigo, parceiro de treino, de viagens e para a vida”, afirma.
Paralimpíadas
Para Auricélia o esporte é sinônimo de transformação social. “O esporte me mostrou que eu tenho asas para voar em cima de uma cadeira de rodas. Eu dizia que o que eu fazia quando caminhava nunca chegou perto do que eu faço em cima de uma cadeira de rodas. Hoje, em cima de uma cadeira de rodas, eu conheço o Brasil e o mundo”, conclui.
Com um brilho no olhar, a paratleta afirmou que chegar na Paralimpíada é muito mais do que uma ambição profissional, mas também representa um sonho coletivo, a página de um novo capítulo na sua história com o Badminton.
“É o meu sonho porque eu nunca imaginei chegar lá, sabe? Quando eu caminhava eu nunca me via onde eu estou hoje e chegar na paralimpíada, para mim, será ultrapassar todos os meus limites. Vai ser realizar meu sonho, o sonho da minha mãe e das minhas filhas. Eu não vou medir esforços para chegar nas paralimpíadas com fé em Deus”, aponta.
Esporte
Confederação Brasileira de Badminton (CBBd)
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